sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O círculo está na moda...

Ao que parece, os realizadores de infografias descobriram o potencial do círculo como estrutura organogramática informativa (ou seja, como organograma circular, em vez de piramidal invertido). Em setembro de 2012, a revista Época publicou uma reportagem sobre as combinações saudáveis de elementos. Em uma página dupla, havia um enorme círculo onde cada “fatia” dele correspondia a um grupo alimentar (conforme suas vitaminas, por exemplo). Para visualizar as combinações possíveis, fios faziam as ligações entre cada grupo. Veja como o material foi feito lendo aqui

O mais recente exemplo foi disponibilizado pelo site do Estadão, com dados das vítimas da tragédia da boate Kiss, de Santa Maria. O jornal pediu que os internautas enviassem informações das vítimas que constassem em seus perfis do Facebook. O resultado foi um gráfico interativo visualizando as relações entre as vítimas (parentesco, amizade, relacionamento), que pode ser visto aqui.

Que o organograma em forma de círculo é útil para visualizar relações, isso não se discute. Espera-se apenas que seja usado com bom senso estético e funcional, e que não vire um modismo...

Quadros em questão

Muitos falam nos quadrinhos (mas também nas infografias) como uma relação entre texto verbal e imagem. Não vou aqui entrar no mérito dessa (polêmica) discussão, pois tanto existem HQs sem textos verbais quanto HQs sem imagens icônicas (como pode ser visto na obra de François Ayroles, Feinte Trinité. Ora, se podem existir HQs sem texto verbal ou sem imagem, é porque existe um outro algo que as caracterize. O quadro, por exemplo.

É justamente dele que trata a instigante obra O Quadro nos Quadrinhos, de Fabio Luiz Carneiro Mourilhe Silva, que particularmente me agrada já a partir de sua capa. Sua pesquisa (fartamente ilustrada) procura mostrar o surgimento e o desenvolvimento do quadro como um recurso significante nas HQs. Para tal, mostra que o quadro é anterior às próprias HQs, pois já existia algo similar na pintura, que é a moldura. Ao mesmo tempo, o autor resgata alguns antecedentes das narrativas sequenciais como, por exemplo, na arte medieval.

Outro aspecto discutido por Fabio Luiz são os formatos dos quadros e de suas bordas. Ele discute as diferenças estéticas que decorrem do uso de quadros regulares ou irregulares, bem como analisa formas alternativas (quadros ortogonais, circulares, inclinados). Obviamente, entre seus exemplos ilustrados, comparecem de Winsor McCay a Chris Ware.

A leitura de O Quadro nos Quadrinhos vai revelando outras facetas, como o potencial narrativo dos quadros (recuperando aqui o importante conceito de bloco significacional proposto por Moacy Cirne em 1972); o aspecto gestáltico na percepção de um quadro ou página; e, enfim, uma boa discussão sobre a discussão dos quadros na página, no capítulo intitulado “Técnicas de Montagem”. E esse capítulo, ao que parece, dá margem para uma outra pesquisa: a página nos quadrinhos. Eu até poderia falar mais sobre a obra, mas isso seria estragar boa parte do prazer de sua leitura.

Em suma: O Quadro nos Quadrinhos consegue a proeza de unir teoria e prática, o que é um feito raro em algumas obras. Afinal, Fabio Luiz não só analisa como mostra o que está analisando. Assim, agrada tanto aos pesquisadores da área da Linguagem e da Imagem quanto aos quadrinistas e desenhistas, que necessitam ir além da concepção de que HQs são apenas textos verbais e imagens desenhadas. Ou seja: é uma leitura obrigatória para quem pretende conhecer melhor os quadrinhos e seus quadros.

O Quadro nos Quadrinhos.

Fabio Luiz Carneiro Mourilhe Silva

Rio de Janeiro, Multifoco, 2010, 292 páginas

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Gibiteca de Fortaleza: à espera de dias melhores

Desde que foi inaugurada, no ano de 2009, tenho sugerido aos amantes de quadrinhos que frequentem a Gibiteca de Fortaleza, localizada na Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira (avenida da Universidade, 2.572, no Benfica, próximo à reitoria da UFC). Afinal, qual o melhor lugar para se ter acesso a algumas excelentes obras dos quadrinhos, poder reler revistas do passado ou mesmo fazer pesquisas que não seja uma gibiteca?

Por outro lado, espero que sua infraestrutura possa ser minimamente melhorada nessa nova gestão municipal. Que haja funcionários e profissionais da área de Ciências da Informação, para melhor catalogarem os exemplares lá disponíveis. Que haja condições de arquivamento do material para que ele não se acabe com o manuseio. Que haja possibilidade de arquivamento digital do material mais raro e/ou frágil, em termos de manuseio.

E, finalmente, que haja uma melhor política de acesso às publicações, para que o seu acervo não se dissipe pela ação de malandros. Infelizmente, existe quem ache que pode dar fim no acervo da Gibiteca, e por motivos bastante díspares: se rouba um quadrinho ou pela sua qualidade e pelo valor simbólico e de mercado que ele tem (o que leva alguém a querer roubar, por exemplo, um Watchmen encadernado) ou pela sua suposta falta de valor simbólico (o que leva alguém a roubar um gibi da Marvel ou DC no formatinho típico da Editora Abril nos anos 1980, por exemplo). Para tristeza dos amantes dos quadrinhos e da cultura em geral.

Etiquetas visuais para "denunciar" jornalismo suspeito

Há alguns anos, o designer britânico Tom Scott teve uma ideia diferente: criou dez adesivos curiosos. A finalidade deles era etiquetar as notícias dos jornais que ele recebia no metrô de Londres. Assim, marcava textos jornalísticos de procedência duvidosa (como uma denúncia anônima não confirmada), plagiados (de outras fontes de notícias) ou escritos por outra pessoa. O legal dos adesivos é o uso que ele fez de pictogramas, caracteres e símbolos para ilustrar suas etiquetas. O material, em formato PDF, está disponível no site dele. Clique aqui para ter acesso ao template original dos adesivos e aqui para acessar a versão americana.

Há uma versão brasileira dos adesivos, feita por Bruno Cardoso e disponível em PDF no site O Jornalista (veja exemplo de um dos adesivos ao lado). Eles tanto podem ser um bom exercício em aulas de Jornalismo (no que se refere à análise do conteúdo dos textos) quanto em aulas de Design, Programação Visual e afins (no que se refere à criação de identidades visuais para esses adesivos). O PDF dos adesivos em português pode ser acessado aqui. Em tempo: este texto não é "basicamente um press release, copiado e colado"...

Palavras ao vento...

Um dos nomes importantes para a história e popularização da infografia certamente é o do britânico Nigel Holmes. Responsável pelo material gráfico publicado na revista Time nas décadas de 1970 e 1980, Holmes também publicou vários livros destinados à compreensão e uso dos recursos gráfico-visuais na imprensa.

Mas um dos livros mais curiosos dele é o pequeno, curioso e divertido Wordless Diagrams, cujo propósito fica bem claro já no título: mostrar que é possível fazer diagramas em geral sem recorrer ao auxílio dos textos verbais. Ao todo, são 90 diagramas baseados apenas em desenhos, números, flechas e fios. Isso não significa a completa ausência de textos verbais: os diagramas aparecem denominados (contraditoriamente, na minha opinião) no começo do livro. Mas a brincadeira seria melhor se essas denominações aparecessem ao final da obra.

A função primordial dos diagramas é visualizar as várias etapas de um processo qualquer. Ou seja: aqui o leitor não irá encontrar mapas ou gráficos. Por outro lado, os exemplos feitos por Nigel Holmes são úteis não apenas para ilustradores, designers e produtores de infografias, mas também para quadrinistas, uma vez que a base dos diagramas é justamente a transição entre uma cena e outra (uso aqui o termo “transição” na mesma acepção adotada por Scott McCloud em seu livro Desvendando os Quadrinhos).

A maioria dos diagramas de Holmes é compreensível sem muito esforço: como enrolar um cigarro, como desenhar um gato ou como dobrar uma camiseta são situações cotidianas, facilmente interpretáveis sem auxílio de texto verbal. Mas há, por outro lado, ações desenhadas e que, à primeira vista, parecem não fazer muito sentido: o que faz um homem com um capacete na cabeça, que se senta ao lado de um tigre, começa a ler um livro, faz o felino bocejar e enfia na boca dele (do tigre) o capacete com uma bola? Ou o que faz um homem indiano que balança a cabeça para a esquerda e para a direita? Por que esses diagramas mostram isso? O que eles pretendem, afinal?

Esses dois exemplos acabam demonstrando a hipótese oposta: a de que certos diagramas necessitam de textos verbais para melhor serem compreendidos. Isso ocorre quando estamos diante de uma situação completamente nova ou cujo significado da ação não compreendemos. Por outro lado, a interpretação desses diagramas fica simples quando sabemos de antemão o que eles pretendem mostrar. Ou seja: respectivamente, como praticar colocar a própria cabeça na boca de um tigre e como dizer “sim” na Índia.

Paradoxalmente, Wordless Diagrams acaba demonstrando que é até possível fazer diagramas sem palavras nele mesmo. Por outro lado, fica claro que qualquer diagrama necessita de, ao menos, um texto verbal: o seu próprio título. Em suma: o livro pode ser usado como brincadeira entre amigos, como passatempo ou como central de ideias.

Wordless Diagrams

Nigel Holmes

Bloomsbury, New York, 2005, 160 páginas

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Começam inscrições de 2as. Jornadas Internacionais de Quadrinhos

As inscrições dos resumos para as 2as. Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos começam hoje e se estendem até o dia 15 de março.

Os resumos devem ter entre 200 e 300 palavras, apresentar três palavras-chave e se enquadrar em um dos 15 eixos temáticos do evento, que discutem a relação dos quadrinhos com os seguintes temas: Arte, Cinema, Cultura, Educação, Gêneros Textuais, História, Humor, Identidade, Mídias Virtuais, Jornalismo, Linguagem, Literatura, Mercado, Relatos Biográficos e Sociedade.

O evento será realizado entre os dias 20 e 23 de agosto de 2013, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Mais detalhes no site das Jornadas.

Tipografia “infográfica”

Parece uma fonte tipográfica mas não é. A FF Chartwell se apresenta como uma ferramenta “disfarçada de fonte” para ajudar a criar gráficos facilmente. Ele usa o OpenType para interpretar e visualizar os dados que são editáveis dentro de uma única caixa de texto.

A ideia é do designer Travis Kochel, também professor-adjunto na Portland State University. Após criar a fonte Otari, em 2010, ele criou a FF Chartwell. As licenças para a fonte podem ser adquiridas a partir do site de Travis Kochel, que conta com quase 400 fontes diferentes.

Os quadrinhos como uma forma visual de discurso

É muito bom ler livros sobre quadrinhos. Se eles têm algo a ensinar sobre a Nona Arte, melhor ainda. E se, além disso tudo, eles ensinam e mostram aquilo sobre o que estão falando, então o livro se torna obrigatório.

É o que ocorre com o livro El Discurso del Comic, de Luis Gasca e Roman Gubern. Os autores espanhóis tratam de discutir com bastante propriedade um aspecto central dos quadrinhos: o fato de que eles (assim como o cinema) também mostram algo, e não somente narram. Aqui, os autores partem das definições do francês Gérard Genette sobre as diferenças entre narrar e mostrar.

A partir dessa premissa, os autores fazem um levantamento de cerca de 2 mil quadros (!) ao longo de mais de 700 (!) páginas. Esse levantamento ajuda a ilustrar, para o leitor, as diferentes convenções semióticas envolvidas no ato de criar e desenhar uma história em quadrinhos.

Um exemplo bastante simples disso: toda HQ (assim como as imagens cinematográficas) necessita de um tipo de enquadramento. O enquadramento nada mais é (nos termos aqui propostos, ressalte-se) do que uma forma de mostrar, e não de narrar. Primeiros planos, planos gerais, detalhes, closes e outras formas de enquadramento pertencem a um universo visual.

A leitura do livro vai deixando cada vez mais claro que os quadrinhos não podem ser analisados (apenas) à luz das teorias literárias que digam respeito unicamente ao texto verbal. Os estereótipos sociais (bêbado, anjo, herói, vilão) dependem das características visuais que facilitem a identificação de cada personagem na narrativa quadrinística. O mesmo vale para os estereótipos visuais (jogar água, estar ferido, estar aterrorizado).

Assim, temos uma obra que fala sobre gestos (mãos, pés, rostos), situações arquetípicas (perigo, queda, fome, sede, transpiração), símbolos cinéticos (quedas, golpes, enjoo, tédio), formas de balões (falas, pensamentos, alucinações), letreiramentos... enfim, tudo aquilo que, seja ele um desenhista ou um roteirista de quadrinhos, deve conhecer. Ou seja: temos aqui uma verdadeira enciclopédia da gramática visual dos quadrinhos.

Sem abrir mão de um certo referencial linguístico, El Discurso del Comic se torna também uma leitura obrigatória para quem pretende conhecer um pouco melhor o universo visual dos quadrinhos e as suas convenções.

Luis Gasca e Roman Gubern

El Discurso del Comic

Madri, Cátedra, 2001, 714 páginas

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Jornadas de Quadrinhos divulgam data de início de inscrições

As 2as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos já têm data de início de inscrições: dia 25 de janeiro. O congresso será realizado entre 20 e 23 de agosto deste ano na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

Mais detalhes sobre a inscrição, bem como a primeira circular, o calendário completo e os valores das taxas, encontram-se no site do encontro: www.eca.usp.br/jornadas. Quem quiser ter acesso aos anais da I Jornada, realizada em 2011 também na ECA-USP, pode ir a www2.eca.usp.br/jornadas/CadernoDeResumos-1asJornadas.pdf.

As Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos abrigam grupos de trabalho (GTs) que discutem a relação dos quadrinhos com as seguintes áreas: Arte, Cinema, Cultura, Educação, Gêneros Textuais, História, Humor, Identidade, Mídias Virtuais, Jornalismo, Linguagem, Literatura, Mercado, Relatos Autobiográficos e Sociedade. A Comissão Organizadora do evento é formada por: Waldomiro Vergueiro (Universidade de São Paulo); Paulo Ramos (Universidade Federal de São Paulo) e Nobu Chinen (Faculdades Oswaldo Cruz/USP).

Dicionário das ideias visualizáveis

Uma das perguntas mais comuns entre quem quer fazer infografias é: por onde começar, em termos de leitura? Qual livro deveria ser obrigatório ter numa biblioteca sobre o assunto? Em minha opinião, não dá para avançar muito no assunto se você não conhecer as várias possibilidades de visualização gráfica, para as mais diversas situações. Afinal, uma infografia não se resume apenas ao uso de gráficos estatísticos ou de mapas acompanhados de ilustrações.

Por esse ângulo, o livro Information Graphics – a comprehensive illustrated reference, de Robert L. Harris, é um verdadeiro “amigão”. Isso porque ele é uma espécie de dicionário (ou enciclopédia) de gráficos informativos. A obra é dividida em centenas de verbetes explicativos, todos ilustrados especificamente para a mesma, apresentados de modo bem didático.

Antes, é preciso considerar ao leitor de língua portuguesa que as expressões “information graphics” e “infographics”, na cultura anglo-saxã, vários autores (como Peter Sullivan, Erik Meyer, James Stovall, Nigel Holmes, Tim Harrower, Jennifer George-Palilonis, Edward Tufte) referem-se genericamente a todo e qualquer tipo de texto gráfico-visual (mapas, gráficos, tabelas, diagramas etc.). Fazemos essa advertência pelo fato de que alguns autores de língua espanhola tendem a delimitar o conceito de infografia aos diagramas explicativos jornalísticos (como o fazem José Manuel de Pablos, Gonzalo Peltzer, José Luis Valero Sancho e Carlos Abreu Sojo, por exemplo. Alberto Cairo e Elio Leturia são algumas das exceções). É tendo em vista essa “definição anglo-saxã” que o livro de Robert L. Harris deve ser compreendido.

Com a leitura de Information Graphics, fica claro que a linguagem gráfico-visual é composta de vários gêneros e subgêneros distintos. Isso mostra a importância, para o profissional da área, de se conhecer as diferentes possibilidades de visualização de dados (espaciais, temporais, numéricos etc.). Além disso, Harris não se detém, em nenhum momento, em citar softwares específicos para a geração desses gráficos; ele deixa claro que o aspecto central de sua obra é o conhecimento dos diferentes tipos de gráficos e sua finalidade para cada situação.

Mas ele prioriza outro aspecto também importante: a capacidade de interpretação de um gráfico. Outra de suas preocupações é que os gráficos informativos comuniquem bem, de modo a evitar ambiguidades de sentido e a facilitar a compreensão por parte do leitor. Assim, os exemplos que constam na obra são extremamente simples (mas não simplórios): deixam claro para que servem e como podem ser interpretados.

Isso não significa que todos os exemplos presentes na obra devam ser usados pelo profissional de imprensa. Obviamente, isso depende do perfil tanto de cada publicação quanto de seu leitor; assim, um jornal popular dificilmente usará os mesmos tipos de gráficos de uma publicação especializada em economia ou ciência. Indiretamente, o que queremos dizer é que essa obra solicita um letramento mínimo em Cartografia e, principalmente, em Estatística Descritiva.

Além dos gráficos, a obra também fala das partes que compõem os gráficos informativos (abscissas, eixos, elementos pictóricos, colunas, cores etc.). Fica claro que a obra não ensina a fazer infografias jornalísticas (num sentido restrito), mas mostra quais são os modos e as “ferramentas” possíveis para visualizar dados.

Enfim, Information Graphics é, ao mesmo tempo, excelente tanto para tirar dúvidas sobre a área quanto para auxiliar na visualização de dados de diferentes naturezas.

Robert L. Harris

Information Graphics – a comprehensive illustrated reference

Oxford, Oxford University Press, 1999, 448 páginas